O anúncio do PlayStation 4 foi repleto de grandes surpresas. No entanto, enquanto muita gente enlouqueceu com a configuração ou com os gráficos dos jogos apresentados durante o evento, o que realmente surpreendeu todo mundo foram as funcionalidades inéditas do console.
Diferentemente de tudo o que tivemos até agora, o sistema de nova geração da Sony possui vários recursos realmente diferenciados e que devem reinventar muito da forma com que o utilizamos. E se as ferramentas de compartilhamento de conteúdo mostraram que o futuro será muito mais integrado, isso também abre as portas para uma discussão que há tempos atinge outros meios e agora parece chegar à indústria de jogos: a invasão de privacidade.
Tudo isso porque, como a própria fabricante explicou, o PS4 será um console inteligente que conhecerá o jogador, mapeando suas preferências para trazer toda a facilidade na hora da compra. Baseado nos games que você joga e curte, ele vai conhecer seus gostos para indicar e baixar títulos antes mesmo de você pensar em fazer isso. Assim, bastaria apenas fazer o pagamento e se divertir.
Se por um lado essa possibilidade é incrível e empolgante — pense no tempo economizado com downloads —, por outro temos uma série de complicações que isso acarreta e que teremos de encarar em breve. Até que ponto é seguro entregarmos dados pessoais ou nos expor assim para uma empresa?
O Grande IrmãoOu o que ele faz com suas informações
A primeira grande questão em torno disso é a velha discussão sobre a privacidade. Como o PlayStation 4 parece abandonar o formato de contas usado no PS3 — com apelidos e poucos detalhes sobre quem é o usuário real —, trazendo um formato mais completo de informações, quase como um Facebook, a facilidade de “perfilar” o jogador é muito maior.
No entanto, isso não é um problema. Cruzar dados básicos — nome, idade, país e idioma, por exemplo — com os títulos que você joga não é nada complicado e nem motivo para fazê-lo perder o sono por estar sendo monitorado. Na verdade, essa é uma prática bem comum em vários sites, principalmente de e-commerce, que verificam suas últimas compras para poder sugerir algum produto que possa ser de seu interesse.
No entanto, no caso do PS4, isso muda de figura com a adição de um novo elemento na equação. Como mencionado anteriormente, a Sony quer fazer com que seu console seja inteligente a ponto de conhecer o jogador e seus gostos, criando uma navegação personalizada. Para isso, o sistema faria o download do conteúdo automaticamente, sem que você tenha de dar essa ordem — e é aí que está toda a fonte dos problemas.
Para entender como isso funciona, vamos imaginar duas situações. A primeira é aquela que a Sony nos vendeu durante o PlayStation Meeting: você é fã de Assassin’s Creed, jogou todos os títulos lançados até agora e está empolgado com a chegada de Black Flag. Diante disso, a empresa simplesmente analisa essa informação — a partir da quantidade de horas jogadas e troféus — e já baixa o quarto capítulo em seu HD para que, no lançamento, você simplesmente tenha de pagar por ele e se divertir sem ter de esperar um segundo a mais para isso. Tudo é lindo, prático e perfeito.
No entanto, as coisas não são tão coloridas assim na realidade. Como dito, mapear suas informações é uma prática bem comum — embora nem todo mundo concorde com ela — e o principal problema é o que é feito com tudo isso. No caso do PS4, as chances de termos um incentivo ao consumo por impulso são enormes.
Ainda seguindo o exemplo de Assassin’s Creed, digamos que o console acredita que, com base nos mesmos critérios usados para oferecer Black Flag, ele já baixa um próximo Prince of Persia, deixando-o pronto para ser rodado. O problema é que você nunca cogitou comprá-lo, mas decide fazer isso pelo simples fato de ele já estar em seu HD. “Vai que eu goste”, não é mesmo?
E por mais que você ache que isso não funciona e que esse tipo de coisa não acontece de verdade, saiba que esse consumo por estímulo é muito mais comum do que se pensa. Basta pensar no frigobar de um hotel: as bebidas estão lá à sua disposição e, por mais que você não esteja com sede ou vontade de beber algo, inevitavelmente você vai pegar uma lata pela simplicidade da compra. É exatamente nessa estratégia que a Sony deve apostar para alavancar a venda de títulos na próxima geração.
E isso é extremamente perigoso — principalmente para nossos bolsos. Esse tipo de estímulo é muito sutil e quase imperceptível. Por mais que você nem esteja interessado em comprar o game em questão, saber que ele já está baixado em seu video game esperando ser ativado é quase um convite para sacar seu cartão de crédito e realizar o pagamento.
É claro que deve haver alguma forma de desabilitar o download automático e o sistema de sugestões, mas é bem provável que isso seja uma função padrão do console.
Compartilhamento com parceiros
Ok, a venda de jogos não é algo tão “nocivo” assim. É uma estratégia de marketing e você só vai comprar se realmente quiser — afinal, a força de vontade é sua. No entanto, o que mais a Sony pode fazer com seus dados a ponto de tornar o sistema inteligente do PS4 em algo não tão legal?
O que pode separar a simplicidade da invasão de privacidade são as demais maneiras que a empresa vai lidar com os dados obtidos. Se ela apenas armazena essas informações para oferecer um ou outro título na PSN, tudo bem, faz parte do show. No entanto, e se ela decidir liberar algumas delas com empresas parceiras?
Algumas companhias podem simplesmente se aproveitar desse mapeamento feito pela Sony para chegar ao consumidor desejado de maneira rápida e simples. Imagine que eu queira vender um produto para o público gamer, como um headset ou um novo periférico e queira investir em propagandas certeiras para o meu consumidor. Pois a “biblioteca de usuários” que o PS4 terá em mãos é grande o suficiente para fazer com que os gastos em publicidade dessas empresas valha a pena.
Questão de segurançaNova geração, velhos problema
Outro ponto muito importante que a Sony terá de responder com o PlayStation 4 está relacionada à segurança. Se a invasão à PSN em 2011 causou uma dor de cabeça colossal à empresa, já é possível imaginar o estrago que aconteceria caso uma falha semelhante acontecesse em um perfil em que há mais informações disponíveis.
Por mais que não saibamos exatamente que tipo de informações essa nova conta terá, o estrago causado por um ataque não deve ser menor do que o “PSNGate”. Se cogitar um possível compartilhamento de dados com outras empresas por parte da Sony já é algo que não agrada, pense no quão problemático pode ser se esses detalhes caírem nas mãos do mercado negro.
A pirataria também vai tentar se aproveitar das demais novidades. Se o jogo realmente for baixado completo em seu HD só esperando a ativação, trata-se de um enorme convite para os hackers tentarem driblar essa trava e terem acesso antecipado e ilegal aos games.
Desafios da nova geração
É claro que tudo isso é apenas especulação, ou seja, ideias originadas a partir daquilo que a Sony apresentou sobre seu console até então. Pode ser que a versão final desses recursos seja diferente daquilo que foi revelado pela empresa, mostrando que a nova estrutura é muito mais segura e sem motivo para preocupações.
No entanto, é impossível não ficar com um pé atrás com o que está por vir, principalmente porque esse tipo de estrutura já existe em outros meios e sempre relacionado a algum tipo de polêmica. Portanto, é melhor se preparar para ver essas discussões invadirem o mundo dos jogos.
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